quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

"Chega de Mágoa" 25 anos depois

Marcos Freire (Presidente da Caixa Econômica Federal na época) e alguns artistas reunidos, durante reunião para definição do projeto (autor da foto desconhecido)



Ano passado meu filho me pediu um copo d'água e eu comecei a cantarolar o trecho da música "Chega de Mágoa" para ele : "Te quero água de beber, um copo d’água Marola mansa da maré Mulher amada ... Levei o copo para ele e ele ficou curioso quanto à música. Fomos até o computador para ver se havia alguma informação e clipe publicados na Internet. Encontramos um vídeo que mostrava os cantores brasileiros em um estúdio gravando a canção, bem ao estilo de "We Are The World". Ele gostou tanto que procurou a letra para cantar junto com o vídeo. Coincidência ou não, hoje estamos vivendo um momento que nos lembra muito a história de 25 anos atrás. As atenções internacionais se voltam para o Haiti que sofre as consequências de um grave terremoto. Em 1985 cantores e músicos americanos se reuniram para colocar em prática o projeto ''USA FOR AFRICA'' em benefício das vítimas da fome etíope. O trabalho reuniu 45 das mais expressivas estrelas da música pop americana no elepê ''WE ARE DE WORLD'', entre os quais Michael Jackson, Diana Ross, Kenny Rogers, Quincy Jones, Ray Charles, Bob Dylan e Bruce Springsteen, rendeu mais de 55 milhões de dolares. Hoje, os mesmos produtores prometem lançar "We are The World - 25 for Haiti" (leia o post anterior). Aqui no Brasil, também em 1985, o Sindicato dos Músicos Profissionais do Município do Rio de Janeiro teve a iniciativa de reunir cantores nacionais para interpretar a canção "Chega de Mágoa". O projeto denominado "Nordeste Já", tinha como objetivo arrecadar recursos para a população carente e vítima de enchentes no Nordeste. Os nordestinos que já sofriam com a seca, tiveram que enfrentar, na época, as inundações causadas pelas fortes chuvas.


O texto a seguir foi publicado pela revista "Veja"na edição de 05 dejunho de 1985 e mostra como oprojeto repercutiu na imprensa nacional.

''Os 155 músicos que se reuniram no Rio de Janeiro, no início de maio, para gravar um disco em benefício da população carente do Nordeste finalmente divulgaram na semana passada, o resultado de seu mutirão. A partir da segunda-feira, dia 27, 3 000 emissoras de rádio do País incluíram em sua programação regular o lado 1 do compacto 'NORDESTE JÁ', a canção Chega de Mágoa, uma combinação de marcha-rancho e reggae jamaicano. Com o disco, que estará à venda a partir do dia 10 nas 2 325 agências da Caixa Econômica Federal em todo o País, a 10 000 cruzeiros, os músicos brasileiros seguem os passos de seus colegas americanos, que transformaram num grande êxito o elepê We Are The World, em benefício das vítimas da fome que assola a Etiópia. Como no disco americano, nenhum dos artistas receberá um tostão por seu trabalho. Ao contrário do disco americano, porém, falta ao compacto brasileiro uma adequada produção de estúdio. Chega de Mágoa é uma boa canção, de autoria de Gilberto Gil, com letra sua e de outros onze compositores que participam do disco, como Chico Buarque e Milton Nascimento - ainda que, no entusiasmo do mutirão, se tenha decidido assinar a música como 'criação coletiva'. Os solos vocais que se ouvem ao longo da canção, a cargo de artistas de primeiro time, são empolgantes, e entre o instrumental pode-se ouvir os pianos de Tom Jobim e Wagner Tiso. O que destoa em Chega de Mágoa, assim como no lado 2 do compacto, o animado forró Seca D'Água, é o monumental pandemônio formado pelo coro de 132 vozes desencontradas. Na gravação, esqueceu-se de que montar um coro não é juntar vozes, mas integrá-las sob uma regência e sob determinados padrões técnicos. O resultado é que em todas as intervenções do coro, se tem a impressão de que a gravação foi deslocada do estúdio para uma arquibancada de estádio de futebol. Mesmo assim, Chega de Mágoa é uma canção de evidente vocação para o sucesso. O Sindicato dos Músicos do Rio de Janeiro, de onde partiu a iniciativa do disco 'NORDESTE JÁ', espera que seu êxito se iguale ao dos grandes nomes da música brasileira. A tiragem inicial do disco será de 500 000 cópias,- o que o tornaria o compacto mais vendido no País nos últimos cinco anos. Nem todo o dinheiro recolhido com sua venda irá para o Nordeste. Do montante recolhido, o sindicato terá que pagar a prensagem dos discos, ao custo de 1 150 cruzeiros cada um, e dividirá com a Caixa Econômica o investimento de 1,3 bilhão de cruzeiros numa maciça campanha promocional pela TV. Os lucros reais do disco servirão para financiar a construção de centros de lazer na periferia das cidades mais carentes do Nordeste. Para os artistas envolvidos no projeto, a gravação do compacto foi uma festa memorável, que durou três noites e manhãs varadas no estúdio sob o estímulo da música de Gil e de intermináveis remessas de garrafas de cerveja. De comum acordo, os artistas decidirarn que os solos vocais ficariam a cargo dos nomes mais célebres do elenco, para atrair os compradores do disco. ‘Não houve vedetismo de espécie alguma’, surpreende-se Elba Ramalho. Em meio ao congraçamento, não faltaram lances pitorescos. As cantoras Emilinha Borba e Marlene, arqui-rivais dos tempos da Rádio Nacional, encontraram-se pela primeira vez em muitos anos e riram de velhas rixas. Erasmo Carlos encontrou dificuldades em acertar a hora da entrada de sua voz é teve de ser regido por Chico Buarque. E num canto do estúdio Rita Lee deu aulas de rock a Elza Soares, recebendo, em troca, lições de samba. Em meio a boas atuações individuais e um mau coro, o clima de celebração tornou-se, afinal, o mais saboroso ingrediente do disco.'' Infelizmente, as rádios do País não tocaram a música Chega de Mágoa como o esperado. Raimundo Fagner chegou até a criticar as emissoras de rádio quando do lançamento do disco: ''As rádios, que deveriam entrar na campanha e fazer Chega de Mágoa vender um milhão, não tocam. E esse trabalho só tem sentido, só vai cumprir sua finalidade, se vender um milhão. E é para vender, a menos que alguém me prove que tudo não passa de uma falcatrua, que é só para encher o bolso do Marcos Freire.''


Desde a virada do ano temos testemunhado inundações causadas pelas chuvas na região Sudeste, em especial na região metropolitana de São Paulo. Houve mortes por causa de deslizamentos e soterramentos. Muitas famílias perderam suas casas e pertences. Transtornos , prejuízos, desepero e tristeza afligem a população atingida. Está aí outra coincidência.


Espero que produtores "Chega de Mágoa" possam reunir novamente os músicos brasileiros para fazer como em 1985 e ajudar essas pessoas . Desta vez poderiam convidar os artistas da nova geração como os cantores Diogo Nogueira, Roberta Sá, Pitty , Maria Gadu e os guris da Banda Fresno. Fica aqui registrada a sugestão do blog.


Veja o vídeo que mostra a gravação de "Chega de Mágoa"




2 comentários:

  1. Maravilhosa postagem, parabéns.

    Ana Carla Nunes
    www.festasdabahia.com

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  2. Legal que você gostou Ana Carla. Obrigada pelo comentário. Aliás seu comentário me motivou para a volta ao blog.
    Um abraço
    Aninha

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